terça-feira, 4 de setembro de 2007

Morre fotógrafo Mário Carneiro


Da Folha de São Paulo

Morreu na noite de domingo, em sua casa, no Rio de Janeiro, o fotógrafo Mário Carneiro, um dos expoentes do cinema novo. Aos 77 anos, sofria de câncer. "Estou arrasado. É a perda do irmão mais velho que todos tínhamos'', disse o cineasta Cacá Diegues. Além de fotografar títulos seminais da corrente cinemanovista nos anos 50 e 60, Carneiro atuou, "com seu senso crítico muito aguçado'', conforme observa Diegues, como interlocutor e conselheiro dos autores desse período. "Pintor de origem, ele fazia da fotografia do filme uma linguagem, não um enfeite'', aponta o produtor e também fotógrafo Luiz Carlos Barreto. Além da pintura, Carneiro exerceu, antes do cinema, as atividades de gravador e arquiteto. Nascido em Paris, filho de diplomata, ele alternou, na juventude, temporadas vividas no Brasil e na Europa. Depois de realizar amadoristicamente o filme "A Boneca'', foi incentivado a seguir a carreira no cinema pelo poeta Vinicius de Moraes, amigo de seu pai, que assistiu ao título e avaliou que seu talento era mais marcante no cinema do que nas outras expressões artísticas. O conselho de Vinicius e o caráter de "hit'' que "A Boneca'' ganhou entre os intelectuais da época foram lembrados por Carneiro em longa entrevista sobre sua carreira dada ao fotógrafo Lauro Escorel e publicada na página da Associação Brasileira de Cinematografia (www.abcine .org.br). "Mário foi o primeiro diretor de fotografia que conheci. Foi vendo-o trabalhar que me aproximei da arte da cinematografia. Um artista que, ao juntar à fotografia seu talento de pintor, criou algumas das mais belas imagens do cinema brasileiro'', disse Escorel hoje. A estréia profissional de Carneiro no cinema brasileiro foi com "Arraial do Cabo'' (1959), de Paulo César Sarraceni. A parceria com o cineasta seria repetida muitas outras vezes, como em "Porto das Caixas'' (1961), "Capitu'' (1968), "Natal da Portela'' (1987), "A Casa Assassinada'' (1973) e "O Viajante'' (1999). É extensa também a parceria de Carneiro com Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), para quem fotografou "Garrincha, Alegria do Povo'' (1962), "O Padre e a Moça'' (1965) e o episódio "Couro de Gato'' no longa coletivo "Cinco Vezes Favela'' (1961), cuja "refilmagem'' Cacá Diegues coordena atualmente, com o projeto "Cinco Vezes Favela - Agora por Eles Mesmos''. Carneiro assinada ainda a fotografia de dois importantes longas do cineasta Domingos Oliveira -"Todas as Mulheres do Mundo'' (1965) e "Edu, Coração de Ouro'' (1966). Antes do cinema novo, "a fotografia brasileira [em cinema] não correspondia à luz brasileira'', cita Barreto, que fotografou "Vidas Secas'' (1963), de Nelson Pereira dos Santos. "A busca que tínhamos era no sentido de produzir uma fotografia mais representativa da luz tropical'', afirma Barreto. "Eliminávamos todos os efeitos típicos do mundo setentrional, onde há falta e não excesso de luz''. O resultado é que "além de ser um grande fotógrafo e grande pintor, Carneiro foi mestre de tanta gente. Lauro [Escorel], Afonso [Beato], Dib [Lutfi], todos foram discípulos dele'', cita Diegues. Mesmo atingido pelo câncer, Carneiro procurou prosseguir com a carreira. Ele fotografou "Harmada'', de Maurice Capovilla, e o documentário "500 Almas'', de Joel Pizzini, que estreou neste ano. Recentemente, já abatido pela doença, suspendeu as atividades. "Nas últimas vezes em que falei com ele, não pudemos ter conversas longas, porque ele se cansava rápido'', afirma Diegues. Com Glauber Rocha, o maior ícone do cinema novo, Carneiro realizou o curta-metragem "Di'', que foi premiado no Festival de Cannes, mas teve suas exibições públicas interditadas, a pedido da família do pintor Di Cavalcanti, que considera a obra ultrajante à memória do artista. Carneiro foi o câmera e diretor de fotografia do curta, que registra o enterro de Di, no qual Glauber executa uma feérica performance narrativa. "Por esses filmes e por muitos outros, como "O Padre a Moça' e "Crônica da Casa Assassinada', ele seguirá conosco, afirma Escorel.