domingo, 16 de março de 2008

Sobre coragem e covardia



Filme sobre o mito de Jesse James, com Brad Pitt, é cartaz da Sessão de Arte

Thiago Soares

Antes de qualquer coisa: o filme “O Assassinato de Jasse James Pelo Covarde Robert Ford” já está disponível em DVD. No entanto, mesmo sendo esta a primeira informação deste texto, é inegável fazer uma convocação a se assistir a esta obra no cinema. É daqueles filmes maginificamente fotografados, com planos que são verdadeiros desbundes visuais e aquela noção de tempo mais como uma espacialidade que propriamente como uma sucessão temporal. Está em cartaz da Sessão de Arte, hoje, no Multiplex UCI Tacaruna e, na próxima semana, entre o Boa Vista e o Recife.
A gente começa comentando “O Assassinato de Jesse James...” pela fotografia porque, justamente, é este artefato que faz com que a obra seja tão interessante de ser “degustada” na grande tela. O diretor de fotografia Roger Deakins (o mesmo de “Onde os Fracos Não Têm Vez”) cria um ambiente visual de tensão a partir de dois dispositivos: o contraste entre os planos abertos (muito céu, planícies, aquelas imagens típicas de um faroeste) e os fechados (cenas em internas, planos nos rostos, uma narrativa íntima e pessoal); além da pregnância de uma relação entre as cartelas de cores e o preto (enquanto o mundo é colorido, os personagens insistem em se vestir de preto).
Esta parece ser a tradução do que se pode considerar a excelência de um discurso visual sobre uma narrativa: temos aqui a história do assassinato de um mito (o “Robin Hood” do faroeste, Jesse James, vivido por Brad Pitt) e a obsessão de um homem por este mito (o Robert Ford, aqui interpretado por Casey Aflleck, irmão de Ben e indicado ao Oscar de ator coadjuvante neste ano).
Como na “Crônica de Uma Morte Anunciada”, de Gabriel García Marquez, aqui, também já sabemos que uma morte é o “mote” narrativo. Por isso, a orientação do filme vai compondo partículas estéticas que dão escopo à relação com a morte. Não à toa, quase todos os personagens trajam preto, têm tom fúnebre, como numa antecipação da idéia de que a morte ronda, está impregnada em cada cena.
Nos muitos silêncios a que o personagem Jesse James é submetido, vemos um Brad Pitt à deriva, de olhar perdido, evocando a idéia de que quando a morte se aproxima, a gente sente – o calafrio, o susto, a expectativa – e impossível não lembrar de “O Sétimo Selo”, de Bergman (numa visão muito mais simbolista que o realismo deste filme). "O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford" é chamado de “western cult”, talvez por se preocupar muito mais com as relações que surgem entre suas figuras centrais do que com os tiroteios e balas (como no recente “Os Indomáveis”). O tom aqui é melancólico e vemos dois homens em confronto: de um lado, Jesse James, assombrado por fantasmas reais de sua coragem e de seu medo; e Robert Ford, consumido por sua covardia transformada em inveja e desejo de mitificação. O duelo não utiliza armas nem tiros. E não há vencedores.